UPA de Itabirito - Foto: Arquivo Radar Geral
UPA de Itabirito - Foto: Arquivo Radar Geral
Compartilhe:

Em um post de Facebook publicado em 8 de setembro, a enfermeira com formação acadêmica Josilane Rodrigues Ferreira fez um desabafo. Ela trabalha na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Itabirito como técnica de enfermagem.

Homenagem do Coren- MG (Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais) – É com enorme pesar que lamentamos o falecimento da técnica de enfermagem Thais Mendes, de 30 anos. Ela trabalhava na UPA de Itabirito no hospital campanha de Ouro Preto. Nesse momento de imensa dor, nos solidarizamos com parentes, amigos e colegas, desejando conforto nesse momento tão difícil.

Josi (como é conhecida) lamentou a morte de sua colega de UPA, a técnica de enfermagem Thaís Mendes, que faleceu no início de setembro, vítima de uma tromboembolia pulmonar. 

Segundo Josi, Thaís “trabalhou doente, cuidou (dos pacientes) doente, e não quis pegar atestado para não perder o ‘vale alimentação’”.

Radar Geral publica o texto de Josi na íntegra (veja-o nesta página). Ela relatou as difíceis situações vividas por enfermeiros e técnicos de enfermagem que atuam na UPA de Itabirito. 

Depois do texto de Josi, o internauta poderá ler a resposta da Prefeitura colhida pela repórter do Radar, Naiara Alcântara.

Desabafo publicado no Facebook – veja texto na íntegra após a imagem. As observações entre parênteses são da Redação do Radar Geral:

A enfermagem durante 20 anos espera em cunho federal receber a lei das 30 horas. Não temos direito de sair da UPA para pagar uma conta, temos somente um sanitário pra 16 mulheres de plantão, ‘temos uma bexiga de 50 litros’ porque não temos tempo de ir ao banheiro nem beber água.

Quem da enfermagem que nunca teve uma infecção urinária? Somos vistos como essenciais, super-heróis, mas somos um bando de ossos ambulantes pelo corredor, fazemos hora extra a 50%, não temos descanso digno, dormimos no colchão no chão dentro do nosso carro.

Trabalhamos em dois empregos porque não temos piso salarial. Cada instituição paga o que acha que deve, estamos com o salário defasado, ganhamos insalubridade 20% lidando com todos os vírus e bactérias nocivos à saúde, não fazemos um exame periódico como toda empresa faz. Carregamos atribuições de outros setores como, por exemplo, repondo materiais e medicamentos no setor.

Se tomamos banho, temos que limpar o banheiro, não podemos fazer uma comidinha ou esquentar um caldinho na época do frio na cozinha, fazemos vaquinha porque o açúcar ou café acabou. Não recebemos um lanche sequer em 12 horas de plantão, mas dividimos (o marmitex) com nossos pacientes e acompanhantes, pois temos coração, ninguém passa fome com a gente.

Vestimos nossos pacientes até a família chegar, e se não chegar, doamos as roupas. Somos assistentes sociais porque não temos esse serviço na UPA. Ligamos pra família, buscamos identificação do paciente sem documento, andamos cerca de 30 km por dia dentro da unidade. Não recebemos taxa de urgência por trabalhar em UPA, (taxa essa) que todos os municípios repassam – inclusive Ouro Preto (…).

Lidamos com poucos recursos, mas somos criativos. Não deixamos nosso paciente sem assistência. Atendemos pessoas de Ouro Preto, Nova Lima e adjacências, e convênios porque ‘eles’ falam que nosso atendimento é melhor. ‘Que na UPA de Itabirito (o paciente) é bem atendido e é mais rápido (o atendimento), e por aí vai’.

Mas se adoecemos e pegamos dois atestados, é cortado nosso ‘vale alimentação’ de 500 reais. Resumindo, trabalhamos doentes para não perder o vale, não temos seguro de vida, nem plano de saúde. Aí ouvimos: ‘mas você tem fácil acesso a médicos!’ Será? Porque a maioria (dos médicos), não são todos, trata a gente com superficialidade e até pensa: ‘ela quer atestado’, sem ao menos nos examinar como paciente.

Não digo que, por algum motivo, (não há) colegas assim (…). Às vezes, é pra descansar, visitar aquele parente doente, curtir a família porque o aniversário do filho caiu no plantão e não conseguiu nem folga nem troca.

Não podemos abraçar o colega que saiu de férias nem o que recebe nosso plantão. Nosso sorriso foi tapado pela máscara e pela paramentação. Trabalhamos com todo tipo de doença, e ninguém cuida de nós.

Damos banho, alimentamos, damos carinho, somos psicólogos, e família para alguns pacientes. As 30 horas era o sonho da minha amiga Thaís Mendes, que trabalhou doente, cuidou doente, não quis pegar atestado para não perder o ‘vale alimentação’, enquanto os que estão de quarentena em casa recebem (o vale).

Por que no Sesmt (Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho – da Prefeitura de Itabirito) não estão consultando (os afastados) pra saber como estão, e se têm condições de voltar?

Nossos colegas idosos e gestantes, concordamos que precisam estar em casa. Mas temos colegas asmáticos e hipertensos trabalhando porque o laudo não passou na medicina. (Por outro lado), temos funcionários se beneficiando, pedalando, curtindo ‘férias’ em casa. Nos mercados, têm pessoas no grupo de risco trabalhando.

Estamos desfalcados porque nossos colegas estão adoecendo e morrendo, como aconteceu com Thaís, como temos colega hoje (em 8 de setembro) também na cadeira de rodas afastados pelo INSS. Quando o poder público vai cuidar da gente? Imagina hoje se a enfermagem da UPA não trabalhasse? Quantas horas vocês acham que os médicos conseguiriam atender???

Somos a mecânica a engrenagem de qualquer assistência. População de Itabirito, queremos continuar fazendo nosso trabalho com toda humanização que todos conhecem, mas merecemos mais reconhecimento, melhores condições de trabalho. Eu vou lutar com todas as forças pelo sonho da Thaís de 30 horas, que, coitada, nem teve a chance de receber o abono Covid (porque) trabalhou desde março e não teve essa alegria uma vez que a prefeitura só pagará em outubro, e ela (Thaís) não está mais aqui. Deixamos nossa família pra cuidar da sua (…). Recebemos do prefeito um ‘Não’. Que vetará o projeto do (vereador) Ricardo Oliveira (de diminuição da carga horária dos enfermeiros – que teve parecer jurídico considerando-o inconstitucional).

Enquanto tiver guerra de ego, nós saímos perdendo: nós e Itabirito. Pense e reflita. Pronto desabafei e desabei porque a saudade da minha amiga continuará.

Resposta da Prefeitura 

O secretário de Saúde da Prefeitura de Itabirito, doutor Marco Antônio Marques Félix, recebeu a reportagem do Radar Geral para falar a respeito dos assuntos apresentados no post da enfermeira Josilane.

Segundo ele, “não há uma verdade absoluta” e que pontos citados no post não procedem. “Algumas questões são inconstitucionais, como é o caso das 30 horas”, disse o secretário.

“A maioria dos enfermeiros da UPA é concursada. E os editais dos concursos trazem especificada a carga horária a ser trabalhada. Portanto, a Prefeitura não pode agir de outra forma uma vez que se trata de questão contratual”, salientou.

Secretário de Saúde doutor Marco Antônio Marques Félix. Foto – Reprodução

Sobre funcionário trabalhar doente para não perder o benefício do vale cesta, o secretário afirmou que não é uma exigência da Secretaria de Saúde nem sequer da Prefeitura. De acordo com ele, a regra é uma forma de ser justo com os funcionários que trabalham de forma regular, respeitando à risca a carga horária. “Foi decidido que apenas quem apresenta atestados numerosos e por motivos questionáveis está sujeito a perder o benefício”, garantiu.

Segundo Marco Antônio, muitas vezes, são apresentados atestados mais por razões sociais que de saúde. “Infelizmente, essa foi a maneira encontrada para agir de forma justa com os demais funcionários”.

Para ele, não existe, de forma alguma, a obrigação de os servidores trabalharem doentes. “Afinal, não é um ponto negativo para o profissional quando ele precisa se afastar realmente por estar doente e, portanto, não há necessidade de trabalhar sobre pressão e medo de perder seus benefícios”, garantiu.

O secretário salientou que a apresentação de atestados para doenças preexistentes (que o servidor precisa se ausentar uma vez por semana, por exemplo), Covid-19 ou doenças respiratórias, o vale cesta não é descontado. “O problema é aquele servidor que apresenta muitos atestados por motivos de veracidade questionável”, disse ele.

Segundo o secretário, é importante ouvir os servidores sempre que possível. “E melhorar tudo o que pode ser melhorado, esclarecendo pontos e fazer tudo que está ao alcance da Prefeitura”.

O secretário afirmou, inclusive, que foi realizada uma reunião na sexta feira (11) com representantes dos enfermeiros por meio da qual os profissionais foram ouvidos.

Quando o assunto é a alimentação dos servidores da UPA, o secretário afirmou que existe informação inverídica no post de Josilane. “Há um sistema de distribuição de marmitex para todos e também fornecimento de café e açúcar (itens que foram citados pela enfermeira)”.

A respeito da taxa de urgência, o doutor disse que existe sim uma determinação diante de situações de emergência, e que haverá aumento de 20% no salário desses funcionários. E que tal benefício deverá ser pago em breve.

O secretário concluiu falando sobre a importância dos enfermeiros para o funcionamento da saúde pública em Itabirito, e que, segundo ele, esse trabalho é muito elogiado e tem trazido grandes resultados. “Somos muito gratos a cada um desses funcionários. Como médico e membro da área da saúde, eu não posso excluir nem diminuir a importância que eles têm para o funcionamento da saúde pública em Itabirito”, disse.

Para ele, a enfermeira Josilane e outros profissionais estão no direito de se manifestarem e expor suas insatisfações. “Mas é importante que exista diálogo”, afirmou.

“As nossas portas estão abertas para todos que precisarem. Estamos dispostos a fazer o que for preciso e possível para que nossos funcionários tenham as melhores condições de trabalho”, disse.

Todavia, ele admitiu que há questões que podem e devem ser melhoradas, mas que é necessário levar em conta que o mandato atual está em vigência há apenas um ano, e que teve de enfrentar a situação da pandemia. Por isso, de acordo com o secretário, algumas coisas estão pendentes. “Mas nossa intenção é trabalhar para melhorar cada dia mais”, afirmou.

Ele ressaltou o bom trabalho dos profissionais de enfermagem. “É importante enfatizar a importância que tem a equipe de enfermeiros de Itabirito. Como médico e membro do setor da saúde, eu deixo clara a gratidão com esses profissionais que atendem não só nas questões de saúde dos pacientes, mas também nas questões sociais”, disse.

Dr. Marco Antônio ainda se solidarizou com os amigos e familiares da enfermeira que morreu. Para ele, uma funcionária notável. “É com enorme pesar que lamentamos o falecimento da técnica de enfermagem Thaís Mendes”, disse.

Além da UPA, Thaís trabalhava no hospital campanha de Ouro Preto. 

Sobre as 30h

Tramita na Câmara de Deputados, em Brasília (DF), um projeto de lei (PL), apresentado em 11/01/2000, que altera a lei nº 7.498 de 1986, e fixa a jornada de trabalho em seis horas diárias e trinta horas semanais para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem.

Essa modificação há 20 anos é uma das principais reivindicações dos profissionais de enfermagem.

Matéria atualizada às 7h08 de 17/9/2020. 
Compartilhe:

4 COMENTÁRIOS

Comments are closed.